Pesquisadores desenvolvem técnica inédita para caracterizar infecção por doença ainda pouco conhecida, a partir de luz síncrotron do CNPEM
Um grupo multidisciplinar de cientistas de instituições variadas, incluindo Unicamp, CNPEM, FAMERP e duas universidades estrangeiras, pôde observar e quantificar a inflamação causada pelo vírus Mayaro em tecidos de ratos de laboratório. O uso de um acelerador de partículas para produzir imagens desse tipo é inédito e pode ajudar pesquisadores no futuro a entenderem como atuam outras viroses no corpo. A sede dos experimentos foi o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).
Os sintomas da febre do Mayaro são similares aos da Chikungunya e, por enquanto, entende-se que o ciclo é apenas silvestre. A doença não é muito conhecida, apesar de sua descoberta ter ocorrido já nos anos 50, em Trinidad e Tobago. Desde então, o vírus se espalhou rapidamente pela América Central e do Sul, com a descrição de alguns surtos em áreas rurais e regiões de contato com mata no Brasil.
O pesquisador que coordenou o estudo atual, Rafael Elias Marques, já havia sido, em 2021, o responsável pela primeira estrutura viral completamente elucidada no Brasil. A caracterização detalhada da estrutura molecular feita pelo grupo de Marques foi justamente com o vírus Mayaro. O interesse vem se alinhando à maior atenção que o vírus tem recebido por órgãos de saúde devido ao aumento da incidência de casos nas últimas décadas. Há também a preocupação com o potencial de surgir uma forma com ciclo urbano da doença, especialmente considerando o desmatamento crescente no país.
Graças ao Sirius, um dos três únicos síncrotrons de quarta geração no mundo (localizado no maior complexo de laboratórios científicos do país, o CNPEM, em Campinas), os pesquisadores do grupo puderam observar com detalhes a resposta do sistema imune em tecidos de ratos, quando inoculados com o Mayaro na região da pata. Constataram que o alastramento por demais órgãos é rápido, e com participação abundante de células inflamatórias. Além disso, quantificaram a inflamação no local de inoculação, medindo a diferença de volume em comparação com patas não afetadas. Os resultados podem contribuir na busca por tratamentos no futuro. Atualmente não existe nenhum fármaco específico aprovado e nem vacina para a febre do Mayaro.
Alta precisão do método
As técnicas atuais para análise de tecidos in vivo afetados por vírus frequentemente resultam na destruição das amostras de tecidos moles ou fornecem apenas dados indiretos e aproximados. O uso de imagens 3D de alta resolução, obtidas por microtomografia de raio-X de síncrotron, foi desenvolvido especialmente para a pesquisa com o Mayaro e se provou um método preciso, além de não-invasivo e não-destrutivo.
Imagem 3D produzida pela microtomografia por luz síncrotron. A pata à esquerda não foi inoculada com o vírus e a direita apresenta aumento de volume significativo, devido à inflamação e edema nos tecidos moles.
“À primeira vista, pode parecer exagerado utilizar um acelerador de partículas para fazer uma microtomografia, mas estamos mostrando ao mundo toda a potencialidade e conhecimento que temos desenvolvido no CNPEM para utilizar amplamente a tecnologia de luz síncrotron em estudos biológicos”, comenta Ana Carolina de Carvalho, uma das autoras do estudo.
Ainda segundo a pesquisadora, a ideia pode ser considerada “fora da caixa” para o estudo mundial de infecções. “O Centro possui em sua formação essa ideia de que uma área da ciência sempre pode se beneficiar de outra, e que é nas fronteiras entre saberes que residem as grandes inovações”, comenta Carvalho, que atribui a diversidade de especialistas do grupo (incluindo virologistas, imunologistas e físicos) ao caráter de ciência aberta, colaborativa e acessível do CNPEM, assim como ao professor Rafael Elias Marques por “querer testar os limites do que podemos fazer com o que sabemos”.
A expectativa dos pesquisadores agora é a de que a iniciativa pioneira se torne útil também para o estudo dos efeitos causados por outros vírus.
Sobre o CNPEM
Ambiente sofisticado e efervescente de pesquisa e desenvolvimento, único no Brasil e presente em poucos centros científicos do mundo, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) é uma organização privada sem fins lucrativos, sob a supervisão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O Centro opera quatro Laboratórios Nacionais e é o berço do projeto mais complexo da ciência brasileira – Sirius – uma das fontes de luz síncrotron mais avançadas do mundo. O CNPEM reúne equipes multitemáticas altamente especializadas, infraestruturas laboratoriais globalmente competitivas e abertas à comunidade científica, linhas estratégicas de investigação, projetos inovadores em parceria com o setor produtivo e formação de investigadores e estudantes. O Centro é um ambiente impulsionado pela pesquisa de soluções com impacto nas áreas de Saúde, Energia e Materiais Renováveis, Agroambiental, Tecnologias Quânticas. A partir de 2022, com o apoio do Ministério da Educação (MEC), o CNPEM expandiu suas atividades com a abertura da Ilum Escola de Ciência. O curso superior interdisciplinar em Ciência, Tecnologia e Inovação adota propostas inovadoras com o objetivo de oferecer formação de excelência, gratuita, em período integral e com imersão no ambiente de pesquisa do CNPEM. Por meio da Plataforma CNPEM 360 é possível explorar, de forma virtual e imersiva, os principais ambientes e atividades do Centro, visite: https://pages.cnpem.br/cnpem360/.