Communication of LNBio, July 2014

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Revista Pesquisa Fapesp, June 2014

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Pesquisa descreve novo mecanismo de inibição do proteassomo

Descoberta pode ser a chave para o desenvolvimento  de uma nova geração de quimioterápicos

Artigo publicado na revista Chemistry & Biology, do reconhecido grupo Cell, apresenta um novo inibidor do proteassomo – um alvo terapêutico validado contra câncer. Mais do que isso, descreve um mecanismo mediado por hidroaminação – reação química, até então, inédita em processos de inibição enzimática. Esses resultados lançam uma nova perspectiva para o desenvolvimento de uma próxima geração de quimioterápicos – mais eficientes e com menos efeitos colaterais para o tratamento de câncer.

A inibição do proteossomo é uma estratégia de combate ao câncer bastante conhecida. Isso porque o proteassomo é um complexo proteico que degrada proteínas, função relacionada a atividades  centrais, tais como divisão, crescimento e estresse celular. Como células tumorais se dividem em ritmo intenso e apresentam situações de estresse crônico, a atividade do proteassomo é fundamental para a manutenção e progressão do câncer.

Em células tumorais, a inibição do proteassomo diminui a vascularização dos tumores, reduz a incidência de metástases e aumenta as taxas de morte celular programada (apoptose). Dois quimioterápicos disponíveis no mercado inibem esse potente alvo terapêutico: o bortezomib, conhecido comercialmente por Velcade®; e o carfilzomib, comercializado com o nome Kyprolis®. Apesar de combaterem o câncer, esses medicamentos apresentam problemas. O bortezomib é pouco seletivo para o proteassomo, inibindo também outras proteases de células saudáveis, gerando diversos efeitos colaterais. Já o carfilzomib é tóxico quando usado por tempo prolongado, pois inibe irreversivelmente o proteassomo de células saudáveis. Esses medicamentos apresentam ainda problemas de permeabilidade em tumores sólidos e enfrentam casos de resistência.

Para contornar esses problemas, é necessário descobrir e explorar novos mecanismos e substâncias químicas que possam inibir o proteassomo. Com esse objetivo, pesquisadores do Brasil, Estados Unidos e Alemanha sintetizaram um novo composto – apto a inibir o proteassomo por meio de um mecanismo inédito que pode auxiliar na superação dos problemas observados nos quimioterápicos disponíveis no mercado.

 

Compostos naturais inspiram a química medicinal

Diferentes compostos inibidores de proteassomo são conhecidos. Destacam-se os produtos naturais, principalmente os produzidos por micro-organismos. Muitas bactérias produzem esse tipo de molécula como um artifício de defesa e estratégia ecológica de sobrevivência. Apesar da variedade de compostos, há poucos mecanismos de inibição descritos. Na busca por novos mecanismos de inibição do proteassomo e compostos potencialmente mais eficazes, os pesquisadores se inspiraram em uma substância produzida por cianobactérias do mar do Caribe, chamada carmaficina.

Essa molécula foi isolada e caracterizada como inibidora de proteassomo em 2012 por pesquisadores americanos e brasileiros. A carmaficina mostrou-se bastante potente e seletiva para o proteassomo, porém apresentou instabilidade química e mecanismo de inibição já conhecido. Por meio de conhecimentos de biologia estrutural e química medicinal, os pesquisadores modificaram a carmaficina em dois pontos específicos da molécula, um relacionado a instabilidade química e outro na região principal de interação com o proteassomo. Dessa forma, 12 moléculas derivadas foram sintetizadas.

Essas novas substâncias foram submetidas a vários testes bioquímicos e estruturais para avaliação da potência e mecanismo de inibição do proteassomo – uma estratégia de busca por inibidores promissores ao desenvolvimento de fármacos. Essas análises foram conduzidas pela pesquisadora do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), Daniela Trivella, durante seu estágio BEPE/FAPESP, com vinculo com a Unicamp, no Scripps Institute of Oceanography, na Califórnia, Estados Unidos, com financiamento da FAPESP (processo 2011/21358-5).

Esses testes evidenciaram especialmente uma molécula, um híbrido entre carmaficina e siringolina – um outro produto natural, também inibidor do proteassomo e responsável pela virulência de alguns patógenos de plantas. Essa nova substância apresentou propriedades farmacológicas bastante promissoras e um mecanismo de inibição enzimática até, então, inédito.

Esquema ilustra de forma, simplificada, parte da pesquisa publicada na revista Chemical Biology

(Clique na imagem para ampliar)

 

Desenho racional de moléculas

Os substratos e maioria dos inibidores do proteassomo se ligam a este complexo enzimático por meio de seu sítio catalítico. A ligação química, de fato, ocorre entre a cadeia lateral do resíduo de treonina animoterminal (Thr1), a qual apresenta propriedades nucleofílicas. Os substratos ou inibidores, por sua vez, se ligam à essa cadeia por meio de seus núcleos eletrofílicos, conhecidos por grupos reativos. Os grupos reativos variam entre os compostos, resultando em diferentes tipos de ligação ao proteassomo e, portanto, em diferentes mecanismos químicos de inibição.

Originalmente, a carmaficina apresenta em seu centro reativo uma α,β-epoxicetona (Figura 2). Essa mesma estrutura é observada no carfilzomib, quimioterápico já disponível no mercado. Considerando que a reação entre α,β-epoxicetona e o centro reativo do proteassomo produz efeitos terapêuticos, mas também gera efeitos colaterais, os pesquisadores alteraram exatamente essa porção da molécula.

Figura 2 – Estrutura química da carmaficina, com destaque para o grupo reativoα,β-epoxicetona

No composto destaque da pesquisa, a α,β-epoxicetona foi substituída por uma enona (Figura 3, em verde), sistema α,β-insaturado – similar ao apresentado pela siringolina. No entanto, os pesquisadores inverteram a posição do sistema α,β-insaturado em seus análogos (em relação ao apresentado por siringolina) e se depararam com um novo mecanismo de inibição enzimática: a hidroaminação.

Figura 3 – Estrutura química da molécula híbrida, com destaque para a enona, sistema α,β-insaturado

Por meio de estudos cristalográficos, ensaios celulares e enzimáticos e cálculos de química quântica, os pesquisadores demonstraram que essa molécula, carmaficina-siringolina enona, inibe o proteassomo por meio de um mecanismo bioquímico de duas etapas (Figura 4). Primeiramente, há a formação de um intermediário hemicetal por ataque do alcóxido de Thr1 na cetona do inibidor (adição 1,2). A formação deste intermediário mostrou-se chave para a ocorrência da segunda etapa reacional, a hidroaminação. Hidroaminação é uma reação química conhecida em síntese orgânica, porém apresenta restrições para ocorrência em solução e nunca havia sido reportada como um mecanismo de inibição enzimática.

Etapas do novo mecanismo de inibição do proteassomo descrito. O mecanismo reacional foi elucidado por meio de estudos cristalográficos, ensaios bioquímicos e cálculos de química quântica  (Trivella et al 2014 Chem Bio 21(6): 782)

Este mecanismo, até então inédito em processos de inibição enzimática, poderá ser explorado no planejamento de novas moléculas com aplicação terapêutica. Em particular, para o proteassomo, a hidroaminação garante a seletividade do inibidor e permite o ajuste fino da janela de irreversibilidade de inibição da enzima, minimizando, assim, os efeitos colaterais dos quimioterápicos.

O conhecimento deste mecanismo e do potencial do grupo reativo enona inspirou o planejamento de uma nova geração de inibidores do proteassomo por pesquisadoras do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio). “Nos inspiramos nesses resultados para planejar uma nova série de moléculas com maior potencial de inibição do proteassomo, inclusive de proteassomos resistentes. Essas moléculas serão sintetizadas pela Dra Marjorie Bruder, e as testaremos o quanto antes com o proteassomo (nativo e resistente). Além disso, estamos em busca de novos esqueletos químicos e grupos reativos em bibliotecas de produtos naturais.” – diz a Dra. Daniela Trivella, animada com a continuidade dessa pesquisa no LNBio.

Pesquisadores do Laboratório Nacional de Biociências e da Universidade Estadual de Campinas, no Brasil; da Universidade da Califórnia e do Henry Ford Health System, nos Estados Unidos e da Universidade Técnica de Munique, na Alemanha, participaram desta pesquisa. Artigo completo disponível em http://www.cell.com/chemistry-biology/abstract/S1074-5521(14)00177-X.